- 11/09/2023
- 13:24
Em setembro de 2022, a ANFAC (Associação Nacional de Fomento Comercial) divulgou a Circular no 025, na qual recomendava enfaticamente que a Nota Comercial não fosse utilizada nas operações de fomento comercial. Esta circular expressava a visão de que a Nota Comercial não constituía um direito creditório, mas sim um título privado de dívida. Portanto, não deveria ser objeto de aquisição por empresas de fomento comercial, securitizadoras e até mesmo Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs).
No entanto, neste artigo, ousamos discordar dessa recomendação, apresentando argumentos para sustentar nossa posição. Continue lendo para entender por quê.
Nota comercial: natureza jurídica e importância
Entenda quais são os principais argumentos de discordância na questão:
- A Distinção entre Nota Comercial e Commercial Paper – A primeira questão fundamental é distinguir a Nota Comercial do conceito de Commercial Paper. Embora a expressão “notas comerciais” tenha sido introduzida na legislação brasileira pela Lei no 6.385/76 (alterada pela Lei no 10.303/2001) como um valor mobiliário, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) regulou sua emissão e distribuição por meio da Instrução CVM nº 566/2015, usando a denominação “nota promissória”. O Commercial Paper pode ser emitido como uma nota promissória comum, de acordo com essa regulamentação, com um prazo de vencimento máximo de 360 dias e aquisição restrita a investidores qualificados ou profissionais. Por outro lado, a Nota Comercial foi criada pela Medida Provisória 1.040/2021, convertida na Lei no 14.195/2021, e não é emitida como nota promissória. Ela possui um Termo de Emissão com um modelo padrão estabelecido pela ANBIMA. Portanto, a Lei no 14.195/2021 estabeleceu um regime específico para a Nota Comercial, separando-a completamente do conceito de nota promissória comercial ou Commercial Paper. A CVM também confirmou esse entendimento no Ofício nº 6/2022/CVM/SER.
- A Natureza Jurídica da Nota Comercial – A Nota Comercial possui uma natureza jurídica dual, sendo simultaneamente um valor mobiliário e um título de crédito, como expresso no art. 45 da Lei no 14.195/2021. Como valor mobiliário, representa um título privado de dívida emitido por empresas (sociedades anônimas, limitadas ou cooperativas) para financiar suas atividades. Como título de crédito, a Nota Comercial concede um direito creditório, semelhante a uma Nota Promissória, Debênture ou Cédula de Crédito Bancário (CCB). A Lei no 14.195/2021 estabelece que a Nota Comercial é um título executivo extrajudicial, permitindo a cobrança do crédito através de execução judicial, independentemente de protesto. Portanto, a Nota Comercial é, ao mesmo tempo, um título de dívida de renda fixa e um título de crédito, conforme previsto no Código Civil brasileiro (art. 887).
- A Nota Comercial nas Operações de Fomento é importante para lembrar os princípios da legalidade e da livre iniciativa presentes na Constituição Federal de 1988. O princípio da legalidade estabelece que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, a menos que haja uma lei que o determine. Já o princípio da livre iniciativa assegura a todos o exercício de qualquer atividade econômica, exceto nos casos previstos em lei. Considerando esses princípios constitucionais, podemos argumentar que as operações de aquisição de Notas Comerciais por empresas de fomento, securitizadoras e FIDCs são legítimas, pois não há uma lei que as proíba explicitamente. Além disso, as empresas de fomento, securitizadoras e FIDCs têm a capacidade de investir em diversos ativos financeiros, incluindo títulos de dívida e valores mobiliários.
Constituição Federal e regulamentação
Portanto, a aquisição de Notas Comerciais para apoiar o financiamento das atividades de seus clientes é uma prática que pode ser justificada legalmente. Em meio à controvérsia gerada pela Circular no 025 da ANFAC, é crucial compreender a natureza única da Nota Comercial, que combina características de um valor mobiliário e um título de crédito. Argumentamos que a recomendação da ANFAC não deve ser aceita como uma proibição definitiva da aquisição de Notas Comerciais por empresas de fomento, securitizadoras e FIDCs.
A Constituição Federal respalda a livre iniciativa, desde que não haja proibição expressa por lei. Além disso, a regulamentação atual e futura da CVM e as características legais da Nota Comercial sugerem que essa prática pode ser realizada com segurança jurídica. Portanto, a questão sobre a Nota Comercial deve ser analisada com base em argumentos jurídicos sólidos, considerando seu status legal e sua relação com as operações de fomento no mercado financeiro brasileiro.